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segunda-feira, 31 de março de 2014

Mais um dia passageiro




Enquanto se espremia entre os outros ocupantes do ônibus, Janete já imaginava como o dia seria cansativo. Ainda era seis da manhã e já se sentia como uma sardinha enlatada, vestida com a sua roupa de sempre, e seu óculos remendado até os pensamentos estavam espremidos naquela manhã.


Janete meio aos empurrões tão comuns se lembrou do neto que há pouco mais de duas semanas não via, o filho sempre apressado e trabalhando todos os dias dificilmente levava a criança na sua casa, sem contar que ela quase já não tinha os finais de semana livres. Lembrou-se do menino de 4 anos brincando e de seu sorriso inocente sempre tão feliz, isto a fez sorrir.


Enfim chegou ao seu primeiro destino, o metro. Era comum ela correr o mais rápido que pudesse, mesmo com o percurso abarrotado de gente, e com a mesma quantidade de trens, correr fazia parte da rotina, e entre os empurrões se acomodar em uma posição menos desconfortável. Já acostumada nem estranhava o silencio tão barulhento das pessoas ao seu lado, todas tão fechadas em seus mundos compartilhando a agonia excêntrica e oculta em seus olhares.


Enfim seguiria a caminho do trabalho, era funcionaria de um grande banco que ficava no centro da cidade em um belo edifício, recentemente nomeada encarregada da limpeza gostava de chegar cedo para dar o exemplo, e desde sempre assim o fazia.


Janete se espremeu entre os desconhecidos companheiros de labuta, em pé entre tantos percebeu algo diferente naquela manhã, não conseguiu definir se era o corpo cansado da diária extra que fizera no dia anterior para ganhar uns trocados a mais, ou se apenas o estomago vazio e a velha gastrite dando sinal.


De repente o metro parou! Todos foram jogados de uma só vez, e apesar de cheio o peso de um sobre o outro não era nenhum pouco confortável. Janete sentiu um aperto no peito, olhou para os lados e o ar lhe faltou, piscou os olhos, e só enxergou os troncos de outros passageiros, o seu estomago embolou como se fosse um cata vento em um vendaval. Ela olhou para os lados, como se procurasse a saída, e pensou: “Acho que hoje vou atrasar”.


O trem voltou a andar, e todos gritaram como uma comemoração. Janete iniciou um sorriso, mas sentiu o estomago incomodar novamente, dessa vez mais forte, e o ar logo sumiu, o metro parou novamente num solavanco, as pessoas gritaram aflitas, a luz apagou, e Janete caiu.


O tumulto se formou, as pessoas correram desesperadas, a maioria nem sabia o porque de estarem aflitas, apenas corriam e gritavam ou choravam... Apenas tentavam fugir de um lugar sem espaço, sem luz, sem paz.


Na manhã seguinte tudo estava igual, as mesmas pessoas, e mais outras, pareciam até mais apertadas do que antes, se encaminhando rapidamente como todos os dias ao seu trabalho, por seu caminho, seu destino, e a vida assim continuou. Quanto a Janete, ela teve sorte, na internet estava a noticia:


“Morreu ontem no metro senhora de 56 anos, ainda não foi confirmado se a morte foi após a mulher ser pisoteada ou se foi um ataque fulminante, a polícia informou que em cerca de quarenta dias terá o resultado da autopsia”.


Sem foto, legenda ou nome ela foi descrita, como deveria ou poderia um passageiro, deixou para si mesmo sonhos incompletos, magoas não curadas e sorrisos não desperdiçados.


Texto por: Grazy Nazario.





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